quinta-feira, 30 de setembro de 2010

(Des)Esperar com nova integrante

relato por Francieli Garlet

A partir desta semana o grupo des-esperar conta com mais uma participante, a Florence. A Florence é do atelier de Estamparia, e já em seu primeiro encontro com o grupo, demonstrou sua vontade de des-esperar, compartilhando suas idéias, pensamentos, angústias e o desejo de fazer proposições para o espaço público.


Seja bem-vinda ao grupo, Florence!!!  



RELATO DO ENCONTRO POR FRANCIELI GARLET:

Entre experimentações, idéias, risos, desabafos, sabores e novidades discutimos mais um texto. 
A dissertação de mestrado de Brígida Moura Campbell Paes intitulada Canteiro de Obras: deriva sobre uma cidade-pesquisa habitada por práticas artísticas no espaço público. 
Entendendo a cidade como um rizoma e o mapa como entidade fragmentada e dinâmica onde os artistas inserem obras/experiências, a autora desta dissertação que é também integrante do grupo Poro, escreve seu texto-cidade, habitado por ações coletivas, pela arte ativista e por ações efêmeras.
Destaco a seguir alguns conceitos utilizados e explicados pela autora, enfatizados em nossas discussões:

O rizoma
Na botânica, o rizoma é 
um tipo de caule, que algumas plantas possuem, que crescem horizontalmente, muitas vezes subterrâneos, embora possam ter porções aéreas. Certos rizomas, como as gramíneas, servem como órgão de reprodução vegetativas ou assexuadas, desenvolvendo raízes e caules aéreos nos seus nós. (PAES, 2008, p.13)
Gilles Deleuze e Félix Guattari, a partir desta idéia inicial ampliam o conceito, propondo que 
esse tipo de caule em conjunto com a terra, o ar, animais,a idéia humana de solo, a árvore etc. formariam o rizoma, não limitado apenas à pura materialidade, mas também incluindo imaterialidade de uma máquina abstrata que o arrasta. Rizoma é portanto, um conceito ao mesmo tempo ontológico e pragmático de análise. (PAES, 2008, p.13)
Um rizoma não tem pontos fixos nem ordens, somente linhas e trajetos. Se há uma ruptura “as linhas segmentares explodem numa linha de fuga que também são parte do rizoma: as linhas não param de remeter umas às outras” PAES (2008, p. 13/14)

Os mapas
A definição de mapa de Hakim Bey, citado por Brígida parte da configuração da internet e de web. Entendendo a internet como uma rede de pesca rígida e a web como uma teia de aranha, que é construída nos interstícios e rupturas desta rede maior. A teia/ web é uma estrutura aberta, alternada e horizontal de troca de informações, uma rede não hierárquica. As duas fazem parte do mesmo complexo, e se conectam em vários pontos.
Transpondo este pensamento para a idéia de cidade, podemos entender que a rede de pesca pode remeter as estruturas já formadas e fixas da cidade, e a teia de aranha, pode ser compreendida como a teia construída pelas pessoas (artistas), nas pequenas fissuras e intervalos desta rede maior.

A psicogeografia
A psicogeografia parte da idéia de uma geografia afetiva, subjetiva, que busca cartografar os efeitos provocados pelo meio geográfico sobre o comportamento afetivo das pessoas. A psicogeografia está ligada à idéia de deriva, experiência que consiste numa passagem rápida por vários ambientes, entendendo a cidade afetivamente, reconhecendo espaços e criando proposições para eles. Este era também um dos interesses dos situacionistas: “pensar a cidade como meio importante de ação e produção de novas formas de lutar contra a monotonia.” (PAES, 2008, p. 16)


Paola Berenstein, organizadora do livro Apologia da Deriva faz um mapeamento das experiências de apreensão afetiva do ambiente em diferentes espaços de tempo, por diferentes artistas e teóricos. São eles:
- Baudelaire e a figura do flanêur;
- Dadaístas e as excursões urbanas em lugares banais;
- Aragon, Breton, Picabia e Tzara e suas deambulações aleatórias;
- Surrealistas liderados por Breton e a experiência física da errância no espaço real urbano;
- Walter Benjamim, retomando a idéia do flanêur, e as flanâncias urbanas;
A experiência do flâneur é descrita por Benjamin como “uma espécie de embriaguês que se apodera daquele que, por um longo tempo, caminha a esmo pelas ruas” PAES (2008, p. 20)

Ao chegar neste momento das discussões, lembramos da nossa experiência da semana passada, em que percorremos o centro de Santa Maria, ao acaso, sendo conduzidos pela rua em direção às fissuras e aos intervalos da cidade. Percebemos que esta experiência, num segundo momento, toma pra si o papel de flanêur e vagueia em nossa mente, sendo conduzida pela nossa subjetividade até as rupturas que dão espaço as idéias.
Algumas idéias que discutimos no grupo, não surgiram no momento em que estávamos caminhando pelas ruas, mas sim foram resultantes de “possíveis” (fissuras da rede) encontrados no percurso, que permaneceram “vagando” em nossa mente. 

O trabalho artístico pensado para o espaço público, busca propor novas formas de percepção de espaços que se tornam invisíveis ao olhar da vida acelerada nos grandes centros urbanos. Muitas vezes abrigam também espaços para a participação do espectador. A abertura dessas proposições “não remetem à arte, mas a vivências descondicionantes” (FAVARETTO apud PAES 2008, p.24)

Como explica Paes,
A obra de arte tem efeito de um golpe que desloca o observador: há como que uma suspensão de evidência do mundo e o despertar de um espanto diante de um novo fato. O objeto artístico opera uma mudança na visão de mundo que desenraiza o observador. E a experiência estética introduz o novo como possibilidade construtiva de existência. (PAES, 2008, p.24)

No espaço urbano, o trabalho artístico “não está mais exposto aos ‘olhos estáticos’ dos iniciados, mas sujeito ao entorno” PAES (2008, p.25). Sendo assim, pode receber as mais variadas formas de interpretação e até mesmo não ser reconhecido como arte.

Os anos 1960 e 1970 
O mundo ocidental, nos anos 1960, foi marcado pelos movimentos de contracultura e pelo espírito de contestação. Alguns exemplos são: o Movimento Hippie nos Estados Unidos, a Revolução Cubana os Black Panters, a luta pelos direitos das mulheres; e os protestos pacifistas contra a Guerra do Vietnã; 
O Brasil enfrentava o Golpe de 64 e a ditadura “que marcaram radicalmente a cultura e a arte nacional a partir daquela década, pela existência de censura, a dificuldade de livre expressão, o cerceamento de liberdades elementares, o exílio e o patrulhamento de atitudes e posições no meio artístico e universitário.” (PAES, 2008, p.27) 

A arte neste período, buscava criar novos espaços. As modalidades tradicionais de arte ganhavam o espaço aberto e novas modalidades, como o happening e a performance, surgiam.
Como esclarece Paes, 
O que estava por trás dessas manifestações era o desejo cada vez mais forte de promover a diluição da arte com a vida e com o real, arruinando a noção costumeira de arte, criando espaços para experimentação e acabando com a idéia de arte como objeto. Foi necessário submeter a arte a uma espécie de morte para dar a ela uma nova forma de vida. (PAES, 2008, p.28)
A arte sai da galeria e vai para a rua. Esse deslocamento enfatiza o desejo de desvincular a arte do sistema fechado de arte. Alguns artistas como Hélio Oiticica, Cildo Meireles e Artur Barrio, são citados pela autora como precursores da experiência contemporânea de arte urbana no Brasil.

-Oiticica, por pensar a obra como algo em que o expectador pudesse participar e desta forma experimentar a criação. Pois "a criação se completa pela participação dinâmica do expectador, considerado por ele um “participador”. Há uma proposição de elevar o espectador ao nível de “criador” que na verdade, não “cria”, mas “experimenta a criação”." PAES (2008, p.33)

-Cildo Meireles, pelo teor político de todas as suas ações. Por perceber a “existência de amplos sistemas de circulação nos quais seria possível inserir informações contrárias aos próprios interesses que fundamentam esses sistemas” PAES (2008, p.35). Segundo o artista"a arte teria uma função social e teria de ser mais ou menos densamente consciente. Maior densidade de consciência em relação à sociedade da qual emerge. E o papel da indústria é exatamente o contrário. Tal como existe hoje, a força da indústria se baseia no maior coeficiente possível de alienação. Então as anotações sobre o projeto Inserções em Circuitos Ideológicos opõem precisamente a arte à industria." (MEIRELES apud PAES, 2008, p.37)

-Barrio, pela utilização do espaço urbano como acolhedor de suas obras – experiências. Além de ir contra as categorias de arte, contra os salões, contra as premiações, contra os júris, contra a crítica de arte, Barrio defendia que o uso de materiais caros era uma imposição de uma elite que pensa de cima para baixo, e por isso utilizava materiais de baixo custo para realizar suas ações artísticas. Grande parte de seu trabalho nessa época é de caráter efêmero, sendo que o que resta são registros, por meio de fotografias, e anotações em seus cadernos-livros.

Os artistas nesta época (1960/1970) “estavam engajados numa militância política através da arte, e buscavam radicalizar os limites dela” PAES (2008, p.40).

Hoje, por conta de uma descrença na macropolítica, 
os artistas se preocupam com a criação de micropoliticas e buscam atuar fora da esfera da arte, criando novas estratégias, novas trajetórias e ocupando espaços.[...] Buscam menos a politização da arte e mais a estetização da política, através da dissolução da arte na vida, solicitando novos meios simbólicos e poéticos dentro da sociedade de controle. (PAES, 2008, p.40)
Outra questão que chamou a atenção do grupo na dissertação de Paes, foi uma obra do coletivo transição listrada. A proposição deles para uma exposição de arte contemporânea no Centro de Arte Dragão do Marfoi, foi cobrir uma sala com pó de cal. No vernissage da exposição o pó de cal começou a formar uma névoa branca na instituição, causando a interdição da mesma por três dias, por ter invadido o sistema de ventilação. 
Se entendermos esta interdição como parte da proposição “esse trabalho pode simbolizar o estado de espírito dos grupos de artistas da geração 2000: que tem a crítica institucional e o ativismo político como principais características.” PAES (2008, p. 48).

PAES, Brígida Moura Campbell. Canteiro de obras: deriva sobre uma cidade-pesquisa habitada por práticas artísticas no espaço público. 
Dissertação (Mestrado em Artes) - Escola de Belas Artes da UFMG, Belo Horizonte, 2008. http://www.ufmg.br/online/arquivos/anexos/Brigida_Campbell.pdf.pdf

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