quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Digressões coletivas sobre coletivos

relato por Fábio Purper Machado

Encontramo-nos, na terça feira dia 21.09.2010, para debater, a partir do texto Coletivos de artistas na contemporaneidade de Claudia Paim, e de nossas associações a outros assuntos, sobre a criação de meios próprios de difusão, independentes da legitimação institucional (o que remete à máxima do movimento punk “faça você mesmo”), entre eles a importância da ocupação de lugares diferentes do museu e da produção de material impresso.
Desejar lugares, imaginá-los ocupados por proposições a eles relacionados, formar coletivos como uma união de forças para que tal aconteça, trocar idéias, produzir trabalhos e apresentá-los sem mediações marcando os espaços pelas intervenções, realizar registros e publicá-los inclusive como forma de multiplicação de possibilidades para a reflexão. (PAIM, 2005, p. 252)
Com a instalação Café com Monstros, que realizamos no ano passado na Sala Dobradiça, percebemos que boa parte do público nutria certa incompreensão em relação ao caráter de coletividade desse tipo de trabalho, que é diferente da exposição coletiva de obras ou processos individuais. O papel do artista num coletivo deixa de ser apenas apresentar seu trabalho, e passa a ser o de curador, mediador, crítico. Autores (evocados por José Francisco Alves) falam que “o crítico morreu”, pois o próprio artista vem conquistando a legitimação para falar sobre seu trabalho. Superamos assim uma tradição da Grécia Antiga de receber com luxo os pensadores, que lidavam com palavras, e com estábulos os artistas, de trabalho considerado manual.
Captação 
“As instituições culturais brasileiras, de maneira geral, preocupam-se mais com a apresentação pública da arte que com o fomento para sua produção” (PAIM, 2005, p. 250). Políticos num mandato de quatro anos se interessam em monumentos imediatos, não em projetos e processos.
A Bienal de 2008 em São Paulo foi “do vazio” porque não conseguiu captação de recursos. O novo gerente pagou todas as dívidas, buscou referências e fez para 2010 uma estrutura de “nova velha bienal” que volta a ser o que era antes, com força total no seu discurso, tentando se reaproximar do público leigo do qual aos poucos se afastava, opondo-se à sua intenção inicial. Nesta há investimento na educação, com formação de mediadores e material didático (Bravo, 
Carta Capital), assim como numa recente exposição de Frans Krajcberg no OCA, em São Paulo.
Propõe-se, com a reformulação da Lei Rouanet, um novo sentido para as políticas públicas de educação. Antes uma empresa podia abater até 100% de seu imposto, mas a maioria priorizava interesses privados nisso. Só grandes empresas com CNPJ podiam captar recursos, agora há uma abertura para iniciativas de menor porte. (
Ministério da Culturatambém aqui).
Coletivos 
O texto de Claudia Paim se refere a movimentos ocorridos em Porto Alegre nos anos 90, de ocupação de território físico para ações coletivas e para a criação de galerias permanentes.
Câmaras (1992) consistia na ocupação de um prédio histórico. Semente do Arte Construtora, que propunha a apropriação de territórios em São Paulo em 1994 e Porto Alegre em 1996 como espaços efêmeros de arte.
Plano: B (1997) era uma exposição coletiva que funcionava num sistema de trocas.
Remetente (1998) foi uma exposição reunida através de uma rede de convites, e para a qual foram convidados críticos, no sentido de deslocar a legitimação artística dos espaços institucionais para um lugar alternativo.
Torreão (1993) é um atelier montado num espaço alugado, com espaço para exposições.
Obra Aberta (1999-2002) era uma galeria semelhante à anterior, com um viés comercial.
Deslocamentos
Duchamp introduziu ao museu o objeto cotidiano, não-artístico. Hoje a tendência é sair do espaço institucional e ocupar outros espaços, a rua, outras casas, mas com o quê? Com o objeto que já é de um contexto exterior ao museu, ou com uma arte clássica, legitimada pelo museu e deslocada para fora dele? “Estes deslocamentos problematizadores demonstram a elasticidade do sistema que passa a institucionalizar o que também está fora de sua circunscrição espacial (representada, por exemplo, pelos museus e centros culturais)” (PAIM, 2005, p. 251). Mas estas iniciativas de Porto Alegre não estão negando o espaço institucional: “Elas buscam muito mais realizar um desejo de autonomia, liberdade e experimentação.” (p. 252) E experimentação é sempre bem-vinda.
Segundo 
Guilherme Corrêa, a partir da perspectiva da oficina, é muito melhor fazer arte em outros lugares, mas se pode fazer até mesmo na escola. Atrevemo-nos a dizer que a educação é possível até mesmo na escola (Consultar texto “A conveniência da escola”). Transgredir o sistema por dentro, através de brechas, ruídos, buracos, fendas.
Na relação amistosa há uma tensão entre o individual e o coletivo e a preservação e respeito quanto às diferenças. Nas estratégias coletivas os artistas desenvolveram pelos laços de amizade, ações públicas e políticas no mundo. A amizade faz varar as relações limitadas por prescrições institucionalizadas (PAIM, 2005, p. 253)

União pelo afeto: “Falar de amizade é falar de pluralidade, experimentação, liberdade, desterritorialização” (Francisco Ortega, 2000, p. 89)


Processo
“Encontramos muitas proposições onde o processo é inseparável do resultado, ou é ele próprio o trabalho do artista” (PAIM, 2000, p. 254). Em nossa participação na 
Bienal do EsquisitoSanta Maria da Boca da Xícara, a xícara era pronta, mas a estampa do líquido estava em construção nas intervenções nos quatro cantos da cidade, e era onde o trabalho vivia. As exposições posteriores foram para relatar esse processo, através da exibição do vídeo junto à presença física do objeto, já estático.
Lembramos também o exemplo da pesquisa Gira S.O.L. do SciArts, coletivo de Milton Sogabe, onde o resultado estético não faz jus a toda a beleza do processo de pesquisa. O próprio Sogabe diz que o trabalho “perdeu a poética” e ficou no campo do meramente lúdico ao usar mecatrônica envolvendo a luz para solucionar um problema que era pensado para a relação entre o calor solar, uma simulação de efeito estufa e a tecnologia do metal com memória de forma.
Antimonumento
Numa "ida às ruas", na segunda-feira dia 20.09, o (Des)Esperar se deparou com interessantes situações envolvendo os monumentos da cidade, que suscitaram outra leitura nesse debate. No
Inventário da Escultura Pública de Porto Alegre de José Francisco Alves, coloca-se em jogo a diferença entre o site-specific (especificidade do local, anos 60) e o place-specific (especificidade do lugar, Lucy Lippard, 1997). “Um local representa as propriedades físicas constituintes de um lugar – lugares são reservatórios de conteúdo humano.” (Jeff KELLEY apud ALVES, 2005, p. 150)
Dirigir-se a um público e colaborar para sua transformação é hoje o principal objetivo da arte pública. Neste sentido o artista, em função do local da obra, tem que escolher e procurar atingir a audiência certa – quase sempre um público específico. Por isso, a obra deve responder fisicamente (esteticamente) ao local e psicologicamente (simbolicamente) em relação ao público do lugar. (ALVES, 2005, p. 140)
O autor evoca também Rosalind Krauss e a “Escultura no Campo Ampliado”, que foca os dilemas entre paisagem e arquitetura, e não-paisagem e não-arquitetura. A lógica do monumento como representação comemorativa perde lugar no século XX, com o Antimonumento, representado peloMemorial dos Veteranos do Vietnã (Maya Lin), pelo Monumento a Zumbi dos Palmares (Cláudia Stern, 1997) e o Memorial aos Mortos e Desaparecidos no Regime Militar (Gonzaga, 1995). “O propósito do monumento seria o de trazer o passado para dentro do presente para inspirar o futuro. Assim, uma pergunta a ser considerada é: O que escolheremos para comemorar nosso tempo?” (ALVES, 2005, p. 141) E como definição para a quebra engendrada pelo antimonumento: “Tal oposição constitui-se, basicamente, no sentido de deslocar a forma e função do ato de comemorar.”
Refletindo sobre essas possibilidades de subversão de sistemas de legitimação e de comemoração, apropriamo-nos da citação de Waly Salomão, utilizada por Paim para finalizar seu texto:
 “Criar é não se adequar à vida como ela é”.
Referências
PAIM, ClaudiaColetivos de artistas na contemporaneidade.ALVES, José FranciscoInventário da Escultura Pública de Porto AlegreIn BULHÕES, Maria Amélia. (org.) Memória em Caleidoscópio. Artes Visuais no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.

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